terça-feira, 29 de maio de 2012

Entrevista de André Martins a oJogo


oJogo - É público que tem um carinho especial por João Moutinho.
Sempre apreciei as capacidades dele - ainda aprecio. Tem uma enorme qualidade.
- É um modelo para si?
Sim, é um grande jogador e aprecio muito as qualidades dele. É um modelo que tento seguir.
- Ficou triste ao vê-lo sair doSporting?
Fiquei, porque é um grande jogador e podia ter ajudado muito o Clube. Mas foi uma decisão dele, a vida é mesmo assim.
- Se alguma vez se lhe deparasse uma situação como a dele, quando se transferiu para o FC Porto, também seria capaz de fazer o que ele fez?
Não, acho que seria muito difícil, porque vim para cá muito cedo, deixei a minha família lá em cima, e este Clube sempre me deu tudo, as pessoas sempre estiveram do meu lado. Não conseguiria fazer isso.
- Passou por vários clubes inferiores ao Sporting. Chegou a duvidar do seu valor? Andou desmotivado?
No Belenenses, não joguei muito e a certa altura tive uma má notícia, quando detectaram um problema de saúde à minha mãe. Ela passou por uma fase difícil, e eu também.

- Quando recebeu a notícia?
Foi no ano passado. Estava de férias, mas depois vim para o Belenenses com essa notícia. Associando-a ao facto de não jogar, claro que houve dias em que me senti pior.
- O problema já foi ultrapassado?
Já. A minha mãe foi operada, os exames revelam uma evolução muito boa, e isso é também um motivo de alegria para mim. Devo muito aos meus pais.
- Mas nunca duvidou do seu valor?

Não, porque sempre tive pessoas a meu lado que acreditavam em mim, que no dia a dia me lembravam que eu tinha valor. Sempre acreditei em mim, até porque isso é fundamental; se nós não acreditarmos em nós, mais ninguém acreditará.
- Que auto-avaliação faz?
Sou jovem e tenho muitos anos para aprender, com jogadores mais experientes, que passaram pelo que estou a passar. Posso melhorar muito e quero fazê-lo, para ser mais forte a cada dia que passa.
- O que se passou no Belenenses?
Fui dispensado, o treinador [José Mota] disse que não tinha espaço para mim. Ficava triste por saber que podia ter mais oportunidades, mas tive de lidar com isso. Por vezes não compreendia, mas nada podia fazer contra isso. Não guardo mágoas, isso nunca. São opções de cada um.
- Acertou a renovação de contrato até 2016, com uma cláusula de rescisão de 25M €. Vê este passo como um prémio pelo que fez em 2011/12?
Não posso negar os sentimentos: é um sonho jogar no Sporting. Estou muito satisfeito e orgulhoso por ter renovado e por continuar a fazer parte do plantel profissional do Sporting, Clube que, é bom não esquecer, represento desde 2002; são 10 anos de Clube, não são 10 dias. Agradeço a Luís Duque e a Carlos Freitas, que acreditaram em mim, que apostaram em mim, que me deram a possibilidade de fazer parte do plantel e que agora acertaram a minha renovação. Agradeço ainda ao presidente, que sempre me incentivou.
- Fez 27 jogos, 11 dos quais a titular. Foi o realizar de um sonho?
Sim.
- Mas ainda não foi "a" época de sonho.
Não, foi só a primeira época. Ainda tenho muito que evoluir e posso dar muito mais.
- Acredita que pode ser a próxima?
Vou fazer por isso. Não depende só de mim, mas vou fazer o trabalho que tenho feito até aqui. Depois, se o treinador me der a titularidade vou tentar cumprir com o que ele pedir.
- O seu primeiro grande momento da época ocorreu em Leiria. Foi um ponto de viragem?
Foi importante, porque até aí não tinha tido muitas oportunidades. Sá Pinto chegara há pouco tempo e quando me deu essa oportunidade, o jogo correu-me bem e se calhar foi um bom motivo para ele ter apostado em mim nos jogos seguintes.
- Um jogo que lhe valeu a titularidade quatro dias depois, em Kharkiv, contra o Metalist.
Isso tem de perguntar a Sá Pinto. Mas talvez esse bom desempenho me tenha dado crédito para poder fazer os jogos seguintes. Felizmente, as coisas correram-me bem nesses jogos, tanto com o Metalist como com o Bilbau.
- Foram três jogos que mudaram a opinião dos adeptos?
Como não tinha jogado muito até aí, é natural que grande parte das pessoas não tivesse uma opinião formada sobre mim. Essas exibições positivas ajudaram a que as pessoas começassem a gostar de mim e senti isso, sim. Senti-me muito acarinhado, recebi muitas mensagens de apoio e isso é importante, porque nos dá força.
- Houve algum trabalho de mentalização especial da sua parte para ter surgido tão forte nesses jogos?
Sim, porque como não tinha muitas oportunidades, tinha a noção de que cada oportunidade que tivesse, tinha de a aproveitar da melhor forma. Foi isso que tentei fazer, isto é, dar o meu melhor para poderem ver que eu tinha qualidade para jogar no Sporting e também para ajudar a equipa, claro.
- Apareceu, contra o Bilbau, a concentrar o jogo à sua volta e a mexer os cordelinhos da equipa. Foi um acaso ou corresponde ao que pretende fazer no Sporting?
Gosto muito de ter a bola e se puder organizar o jogo da equipa, melhor, porque a posso ter durante mais tempo. Mas se me pedirem para desempenhar outras funções, também o faço. No meio-campo, posso e gosto de desempenhar qualquer função, seja mais atrás ou mais à frente...
- Como vai tentar impressionar Sá Pinto para ele o pôr a jogar mais?
Sá Pinto gosta de um futebol simples e privilegia um jogo de passe e recepção. É isso que vou tentar, mostrar que faço bem esse tipo de jogo e depois esperar que surjam as oportunidades.
- Ao metê-lo em Kharkiv, num jogo crucial, Sá Pinto deu uma grande prova de confiança no seu valor...
Foi uma grande prova de que confia em mim e que conta comigo. Como eu não vinha a jogar muito, ele dar-me uma oportunidade assim num jogo daquela importância foi uma prova da confiança nas minhas capacidades.
- Ele já alguma vez lhe transmitiu pessoalmente a impressão que tem acerca do seu valor?
Sá Pinto por vezes fala comigo e diz-me que acredita em mim, no meu valor. Diz-me para trabalhar sempre no máximo, porque é disso que ele gosta e o que ele pede. Já como jogador ele era assim, dava tudo e deixava tudo em campo; pediu-me sempre para o fazer e é isso que tento fazer em todos os jogos.
- E já alguma vez ele lhe pediu para ter mais intensidade de jogo, por exemplo?
Sempre que joguei, ele teve foi o cuidado de dizer que gostou muito do meu jogo e que eu estava num bom caminho. E eu tentei sempre fazer o que ele me pediu.
- Com 12 internacionalizações nos sub-21, já sabe o que é vestir a camisola das quinas. Há alguma diferença entre jogar na Selecção ou no Clube?
Estás a representar um País, estão ali os melhores dos melhores e tens de mostrar o porquê de estar ali, mas também tens de o fazer no Clube. Sempre foi igual.
- Vê-se a chegar em breve à Selecção principal?
É um sonho que tenho. Daqui a quanto tempo não sei, mas quanto mais cedo, melhor. Vou esperar que a oportunidade surja.
- É justo não estar integrado nestes 23 que vão ao Europeu?
Paulo Bento escolheu bem. O Euro'2012 seria cedo para mim, até porque não fiz uma época assim tão regular. Joguei alguns jogos, mas os que lá estão jogaram quase sempre e com grande qualidade.
- Estar no Mundial do Brasil é a sua meta?
Não sei, ainda tenho muito tempo para conseguir lá chegar. Depende do que me acontecer a nível de Clube. Se conseguir jogar com regularidade, é natural que venha a ser um objectivo.
- Que opinião tem de Paulo Bento?

É ambicioso, sabe bem aquilo que quer e consegue obter o melhor dos jogadores. É isso que vai acontecer no Europeu, e acho que Portugal tem fortes possibilidades de o ganhar.
- Qual o prognóstico para o Portugal-Alemanha?
Vai ser o jogo mais difícil; se Portugal ganhar, será um grande passo para a fase seguinte. Holanda e Dinamarca são complicadas, temos 3 jogos difíceis, e se Portugal passar, vai estar melhor preparado para a fase seguinte do que as outras Selecções.
- E o resultado?
É imprevisível.
- Não consegue ter a percepção do valor das duas equipas e adiantar o resultado mais provável?
Para quem está lá dentro, é muito diferente, porque as equipas hoje em dia se fecham bem, metem 11 atrás da linha da bola e cada vez é mais difícil entrar e fazer um golo. No futebol, cada vez é mais difícil prever os resultados.
- Para enfrentar equipas assim, como o Chelsea contra o Barcelona ou o Bayern, qual o melhor caminho para vencer?
É jogar rápido, executar rápido.
- O segredo é mais a finta ou o passe?
É o passe. Jogar rápido e descobrir linhas de passe entre as linhas adversárias é um dos segredos.
- Antes de um dos jogos com o Bilbau, Marcelo Bielsa, um dos melhores treinadores do mundo, destacou o seu nome. Ficou surpreendido com a referência?
Claro que sim, porque temos um plantel cheio de grandes jogadores, como Capel, Ricky,Izmailov, Matías etc. e não estava à espera de que o treinador me elegesse a mim. Fiquei contente, é mais uma motivação. Ele não me conhecia e deve ter ficado surpreendido com o jogo que fiz em Alvalade.
- Ficou inchado com o elogio?
Isso não. Sempre fui muito humilde, é essa a educação que os meus pais me incutiram: ser humilde e trabalhador, sempre.
- Humilde em que sentido?
É não ficar inchado com um ou outro elogio e não me ir abaixo com uma ou outra crítica; continuar sempre a mesma pessoa. E sou sempre o mesmo desde que cheguei. Não é por ter jogado dez ou 20 jogos que vou mudar a maneira de ser. Quem me conhece sabe como sou e que não vou mudar nunca.
- Que outros valores principais tem?
Tento ser trabalhador, por exemplo.
- É um bom profissional?
Sempre. Jogando ou não, trabalho sempre da mesma forma, sempre como se jogasse.
- A vida de jogador profissional exige-lhe muito nesse aspecto?
Temos de levar uma vida diferente das outras pessoas, descansar muito, ter uma boa alimentação. Não podemos ter a vida de algumas pessoas, como nas saídas à noite, por exemplo.
- Não sai à noite?
Não. O meu dia a dia é treino, de manhã ou de tarde, e depois passo muito tempo em casa. Gosto muito de estar em casa, ver televisão... Por vezes temos jantares entre o grupo, mas coisas que nunca se alargam muito. Se não me deitar cedo e não dormir as horas que devo, acordo mal-disposto e as coisas não me correm bem no treino. Pelo menos 8 horas gosto de dormir para estar bem no treino.
- E dentro do campo, é trabalhador?
Claro. Como nenhum jogador do mundo joga sempre bem, o mínimo que podes exigir de ti é trabalhar e correr sempre o que puderes, mesmo jogando mal, para ajudares a tua equipa. É isso que tento fazer, mesmo quando as coisas não me correm bem.
- Concorda que com maior intensidade de jogo, disponibilidade física, força e velocidade, poderá ser ainda melhor jogador?
Concordo - até muitos amigos meus e familiares me dizem isso. Tenho clara noção de que posso melhorar a esses níveis.
- É uma meta para si?
É, a nível de contacto físico, por exemplo. A meio-campo, há muito contacto e, se eu puder ser um pouco mais forte, isso só me vai ajudar. Vou tentar fazê-lo com trabalho de ginásio, por exemplo. Alargar um pouco e ganhar força só me vai ajudar.
- Moutinho, Modric ou Xavi: com qual se identifica mais?
Xavi é o que gosto mais de ver jogar. A facilidade com que encontra linhas de passe e com que depois os executa... Pensa muito rápido, joga a poucos toques e isso dá grande velocidade ao jogo.
- Esses são também os segredos da sua qualidade?
O futebol hoje em dia é isso mesmo: é o passe e a qualidade do passe. Conseguir jogar com poucos toques e descobrir linhas de passe boas, executar bem, é um bom passo para seres um grande jogador.
- Encara o futebol como um dom com que nasceu?
Nasci com este gosto, mas dom acho que não. Não sou nenhum fora de série; isso é paraMessi. Ele sim, nasceu com um dom para o futebol. Eu tento é trabalhar todos os dias as minhas qualidades para tentar melhorá-las.
- Não se sente um craque?
Não.
- E momentos geniais, tem?
Às vezes tenho - e tive este ano - alguns lances bons, mas momentos geniais não. Geniais são aqueles que poucos jogadores conseguem fazer, como Ronaldo ou Messi. Agora, eu não; tive lances bons, mas já vi jogadores a fazê-los.
- O sítio especializado Transfermarkt aponta-lhe um valor de mercado de 2,5M €. É muito ou pouco?
Não sei, não presto atenção a esses pormenores.
- E quanto à cláusula de rescisão no valor de 25M €?
É muito dinheiro para um jogador tão novo como eu.
- Acredita que algum dia pode ser vendido por esse valor?
É difícil, mas se um dia acontecer, seria muito bom sinal. Mas acredito… e espero que sim.
- Além da qualidade de passe, o que pode acrescentar a uma equipa?
Procuro linhas de passe entre as linhas adversárias, gosto muito de jogar entre linhas e depois tento fazer um bom último passe; gosto de fazer o último passe. Gosto de imprimir velocidade ao jogo, mas não de dar muitos toques na bola. Se puder jogar a um ou dois toques, prefiro isso a conduzir a bola.
- Sente-se em desvantagem ao disputar bolas com jogadores mais altos?
Nunca. Se for mais rápido, pensar e executar mais rápido, nem chega a haver sequer contacto. É isso que tento fazer nessas situações.
- Terá então as mesmas hipóteses de sair vencedor nesse duelo directo?
Sim. Numa bola aérea, é normal que um jogador mais alto ou possante parta em vantagem, porque é maior, mas no chão, como tenho o centro de gravidade mais baixo, é normal que controle melhor a bola do que um jogador maior.
- Foi capitão nas camadas jovens. Tem espírito e capacidade de liderança?
Fui na formação, mas neste plantel temos jogadores mais experientes, que estão cá há mais anos e que são grandes líderes. Um dia mais tarde, sim, sonho e gostava muito de vir a ser capitão do Sporting; se isso acontecer, vou sentir-me muito feliz.
- Nunca marcou em jogos oficiais seniores. Nos juniores, também era assim?
Nos juniores, marcava cerca de 8/10 golos por época - em segundas bolas à entrada da área ou em livres directos.
- Porque não marcou ainda nos seniores? Ansiedade?
Ainda não aconteceu, mas é uma meta. Nunca procurei com obsessão o golo e se tiver de fazer uma assistência em vez de um golo, não me importo.

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